Cultivo da visão do Vedānta no dia-a-dia

E a importância do estudo sistemático

Para cultivar qualquer coisa é preciso ter o desejo para isso e o conhecimento básico referente ao objeto de cultivo. De fato, tudo é conhecimento e nada acontece sem conhecimento. Se queremos começar uma horta, precisamos saber qual tipo de solo é adequado para qual planta e quais plantas gostam mais de sol, outras de sombra, temos que saber a quantidade de água correta, etc. Ou seja, conhecimento é necessário para absolutamente tudo que desejamos engajar no mundo. E também disciplina. Disciplina é essencial para que se possa dar continuidade e de fato ver o resultado efetivo daquilo que estamos buscando cultivar. Quando queremos viver sob a luz do Vedānta, temos que ter seu conhecimento. Receber o ensinamento e assimilá-lo. Viver é um contínuo contemplar sobre o que o Vedānta tem a nos dizer, porque o conteúdo do Vedānta é você.  E você é sempre presente na sua vida, então o que significa cultivar o Vedānta na sua vida? É viver a sua vida sob a perspectiva corrigida que é revelada pelo ensinamento do śastra, das escrituras. Como Swami Dayananda Saraswati dizia – “o problema é você, a solução é você”.  O problema do saṁsara, senso de inadequação e limitação de um indivíduo, é puramente cognitivo. É uma noção errônea que assumimos e projetamos no pronome Eu e é essa noção que é corrigida pelas escrituras. Como também dizia Swamiji – “o Vedānta é uma clareza crescente”. Uma clareza sobre sua verdadeira identidade.

Outro nome que se dá para o estudo sistemático do Vedānta é jñana yoga, yoga do conhecimento. Yoga é uma palavra que tem muitos significados. Aqui, é no sentido de ser um meio para se atingir um fim, um objetivo. E o objetivo é o conhecimento de Si mesmo, que é um não-dual, a realidade absoluta e livre de limitações, Brahman

O mais alto  objetivo de vida de um ser humano é mokṣa, liberdade. Liberdade de se ver como um ser limitado, sempre buscando preenchimento no mundo, nas relações, nos objetos. Liberdade de se sentir pequeno ou inferior quando comparado ao outro. O outro sendo o mundo inteiro. O próprio Senhor Krṣna na Bhagavad gītā diz que este conhecimento é o que ele considera como “O” conhecimento, o único que vale a pena se ter. E na muṇḍaka upaniṣad também, é dito que esse é o conhecimento pelo qual todo o resto se dá por conhecido. Então, o objetivo mais alto para uma pessoa só é possível através do conhecimento de Si mesmo, cujo único meio são as escrituras. śastra é pramānam, meio de conhecimento. Pois o que é revelado é a própria verdade sobre o sujeito. Imagine que você deseje conhecer seu próprio rosto.  Por si próprio você não consegue, você precisa de um espelho. Esse espelho é o śastra. Dessa forma, assim como os olhos são o pramānam para se ver formas e cores, śastra é pramānam para conhecer a verdadeira identidade do indivíduo, como sendo uma com īsvara.

Assim, ouvir o ensinamento é o meio pelo qual a verdade se revela. Ouvir o ensinamento se chama śravanam. E é ouvir o ensinamento  de um professor tradicional, para garantir que o que é entendido é de fato o que as escrituras desejam comunicar e  não nenhum outro sentido imaginado. É importante ressaltar esse ponto, pois muitas pessoas classificam o Vedānta como uma escola filosófica. Uma escola filosófica é criada por pessoas e suas conclusões baseadas em seus meios de conhecimento como a percepção, a inferência, etc. No entanto, estas estão sujeitas à contestação, à modificação e são limitadas, pois os meios de conhecimento são baseados na percepção sensorial e na especulação mental. Já o conteúdo do Vedānta é o Si mesmo. O Si mesmo é o sujeito, é o conhecedor, é o observador. Dessa forma, por si ele não tem meios de se conhecer, pois para conhecer qualquer coisa uma mente precisa objetificar aquilo que se deseja ser conhecido. E o sujeito não pode ser objeto ao mesmo tempo que é sujeito, pois quem seria o sujeito para conhecer o objeto se o próprio sujeito é o objeto? Logo, as escrituras são como um espelho que mostram o rosto, o Si mesmo. E esse espelho é apontado e explicado através de um professor tradicional. Tradicional no sentido de que ele recebeu esse ensinamento de seu professor, que recebeu de seu professor e assim sucessivamente. É uma linhagem de professores e discípulos culminando em īsvara, causa material e inteligente do universo, e portanto omnisciente. E essa linhagem carrega a chave de interpretação das escrituras, o que garante que os entendimentos imaginados não aconteçam, impedindo assim que a verdade seja novamente velada pela má interpretação. 

No entanto, muitas vezes uma pessoa mesmo depois de ouvir o ensinamento por muitos anos continua não vendo uma mudança significativa em sua vida. A visão parece não penetrar o corpo emocional, ou muitas vezes algum empecilho intelectual não resolvido faz com que a pessoa não viva sob essa luz. Por isso é ressaltado mais dois passos – Mananam, que é a remoção de todas as dúvidas com relação ao ensinamento, para que seu intelecto se convença, do contrário é uma fé sem base e isso não dura. É necessário que haja convicção. Estamos falando da realidade e portanto todas as dúvidas precisam ser clarificadas. Nesse sentido ter um professor vivo que possa tirar suas dúvidas é importante. Muitas pessoas arriscam estudar por si mesmas, através de livros e áudios. Mas como vimos esse passo é essencial e só um professor, alguém exposto à tradição, pode auxiliar. 

E então nidhidhyāsana, a contemplação com o objetivo de remover erros habituais. Erros habituais significando que ao interagirmos com o mundo ainda reagimos, respondemos, sob o ponto de vista do ser limitado que passamos uma vida, ou muitas, acreditando ser. Leva tempo para remover hábitos e é por isso que esse passo é importante. Temos que convencer também nosso corpo emocional, pois é dele que partem as reações. Então com o propósito de assimilar o conhecimento a contemplação é feita. Ela pode ser na forma de meditação convencional, sentando-se e meditando sobre aquilo que foi escutado no śravanam. Ou em qualquer transação, pois toda transação revela a sua natureza ilimitada que é existência e consciência.

Assim, para cultivar o Vedānta no dia-a-dia o primeiro passo é se expor ao ensinamento com a mente aberta, se permitindo ser guiado pelo professor e pelas escrituras. É ouvir e observar intimamente a verdade. A verdade sendo:  tudo o que existe é Brahman, este Brahman é você. 

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