Vedānta significa o final dos Vedas. Vedas são o corpo de conhecimento da tradição védica que é o coração da cultura Indiana e de muitas outras no planeta. O vedas são escrituras que foram reveladas aos ṛṣiḥs, sábios, que através de intensas austeridades foram capazes de receber a visão de Īśvara (o Todo, que é todo conhecimento/poder) e assim passar o conhecimento para a humanidade. Os Vedas são como um guia prático de como viver uma vida humana, um manual no qual tudo pertinente ao ser humano é abrangido. A primeira parte dos Vedas consiste principalmente de rituais para a propiciação de deidades, para que assim nossas necessidades/desejos sejam atendidos. Desde rituais para que a chuva venha no tempo certo dando possibilidade para a colheita, até rituais para obtenção de dinheiro, terras e prole. Também é descrito os estilos de vida de acordo com casta e idade, chamados de varṇa e āśrama respectivamente, prescrevendo condutas e deveres pertinentes à ambos. Existe também um profundo entendimento da mente humana e de suas emoções. Dessa forma, descrevem-se as formas de como podemos aprender a lidar com nosso instrumento corpo-mente-sentidos. Já a parte final dos Vedas, o Vedānta, é a revelação do conhecimento sobre a realidade última, que é o Si mesmo. A verdade por trás de Īśvara (Deus), Jagat (universo) e jīva (indivíduo).
O propósito das escrituras reveladas é a libertação do indivíduo da roda de saṃsāra, a roda de mortes e renascimentos, ou como Swami Dayananda Saraswati apresentava: a libertação de tornar-se diferente do que já se é. Agora, para entender a importância do Vedānta e consequentemente do seu estudo, temos que compreender as bases para a sua necessidade.
Todo ser humano em maior ou menor medida sofre com o tornar-se. Significa que todo ser humano está em busca de algo para tornar-se completo, feliz e satisfeito. E isto porque existe o sentimento de falta, carência e limitação. Assim, as escrituras apresentam quatro objetivos da vida de um ser humano – Artha, a busca pela segurança, ou seja, a busca pelo abrigo, pela segurança emocional, pela segurança financeira, etc. Kāma, a busca pelo prazer, por aproveitar, desfrutar dos recursos, das companhias, etc. Estes dois objetivos compartilhamos com os animais. Já o Dharma é um objetivo exclusivo do ser humano. Dharma é a lei universal, aquilo que é correto. Seguir o Dharma é alinhar-se com as leis do cosmos, desempenhando a função que cabe a cada situação da vida de um indivíduo. As leis universais são atemporais e não dependem de uma cultura exclusiva. Tais como a não violência, falar a verdade, etc. O Dharma é o que rege o nosso livre arbítrio, no sentido de que por temos poder de escolha – fazer, não fazer ou fazer diferente – estamos aptos a seguir o Dharma, do contrário não nos diferenciamos muito dos animais quando nos deixamos guiar pelos instintos e pelo nosso inconsciente.
Porém, precisamos entender como o Dharma é um objetivo de vida para o ser humano. Para que seguir o que é correto? Pela lógica, podemos observar que ao seguir aquilo que é correto temos resultados imediatos como uma certa liberdade do sentimento de culpa por omissões ou comissões e também temos uma relação mais harmônica com o entorno. No entanto, ao olharmos pela visão das escrituras, estas apresentam a lei do Karma, a lei da ação. Quando realizamos qualquer ação temos um resultado visível. Por exemplo, se lavarmos a louça, imediatamente vemos o resultado da louça limpa. Mas também há um resultado invisível que vai para a nossa “conta”, e que quando as condições forem propícias, tais resultados invisíveis, se tornam visíveis. Significa que se manifestam na forma de situações que acontecem em nossas vidas. Assim, ao realizarmos ações dharmicas, corretas, temos resultados que irão frutificar em situações favoráveis à nós. Enquanto que, se realizarem ações adharmicas, não corretas, estas geram frutos na forma de situações desfavoráveis. Como o que buscamos é ser feliz, a busca por situações favoráveis se torna um objetivo de vida. Dessa forma Dharma é um objetivo de vida para o ser humano.
Dharma, Artha e Kāma tem seu palco no mundo material. No entanto, existe um quarto objetivo, que é considerado o mais alto de todos – Mokṣa. A libertação da roda de saṃsāra. Qualquer um dos três primeiros têm um único objetivo – de nos fazer sentir completos, felizes, adequados. Pois como indivíduos, ao olharmos para o mundo nos vemos como pequenos e limitados. O mundo parece muito maior do que eu, indivíduo. Além disso, para se ter estados de relativa felicidade e estabilidade, muito esforço é necessário. É de fato uma busca interminável, de aquisições e de afastamento, daquilo que nos dá prazer e daquilo que nos causa dor ou repulsa, respectivamente. Sendo assim, a busca pela liberdade desse senso de limitação é o mais alto objetivo de vida e é de fato onde culminam todas as buscas. E essa noção de que sou um indivíduo limitado tem sua base na ignorância da minha verdadeira identidade, que é revelada pelo estudo sistemático de Vedānta. O Vedānta traz à luz um fato sobre o Eu, que é a verdadeira identidade do indivíduo, do mundo e de Īśvara, como sendo um só. É Brahman, a realidade absoluta – Satyam (existência), jñānam (consciência), anantam (ilimitada).
Dessa forma, aquilo que nos prende à roda de saṃsāra é uma noção errônea causada pela ignorância de nossa verdadeira natureza. Ignorância que pode ir embora quando iluminada pela luz do conhecimento. Para compreender a equação de como três (indivíduo, mundo e Īśvara) são um único não divisível, livre de limitações, se dá o estudo sistemático do Vedānta. E precisa ser um estudo sistemático, com um professor tradicional. Por que? Pois, para compreender as escrituras é preciso que se tenha a visão de todas como um todo e também a intenção por trás de cada verso particular. E essa chave de interpretação é passada de guru para discípulo. Por isso é tão importante a tradição. Imagine que as escrituras são um arquivo mp3 e este só pode tocar se houver algum dispositivo que o manifeste. O Guru é esse dispositivo. O estudante é o ouvinte.
Sendo assim, o Vedānta revela um fato sobre nós. Não é nada novo, pois já somos aquilo que o Vedānta aponta. No entanto, através deste estudo nossa atenção é direcionada para o fato de que já somos livres de limitações. E por isso, Mokṣa é o mais alto objetivo. Porém Mokṣa, liberdade, nós já temos, pois é nossa própria natureza. Dessa forma, Mokṣa é na forma do conhecimento, é a aquisição daquilo que já se tem, porque se é. E é o tipo de conhecimento que uma vez que se sabe, todo o resto se dá por conhecido, afinal todos os outros conhecimentos culminam nesse entendimento. É onde todas as buscas se encerram. Tal como o oceano é sempre completo, um pouco mais ou um pouco menos de água não faz diferença. Da mesma forma, eu sou da natureza da plenitude, nada pode se somar ou subtrair daquilo que é pleno. Este pleno, livre de limitações, é o verdadeiro significado do pronome Eu. Revelar este fato é o propósito do ensinamento do Vedānta.